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fevereiro 28, 2013

As palavras que falamos e ouvimos.

     Nossa relação com as palavras nem sempre é muito boa. Parece que pensamos que elas são meros vocábulos sem sentido e que podemos fazer uso delas de qualquer maneira sem nos preocupar com seu significado e com a sua força.
     A coisa não é bem assim. Como já há muito é sabido por todos, as palavras têm força e elas vêm sempre depois de um pensamento, quase nunca antes. Assim, quando dizemos alguma coisa é porque antes pensamos naquela coisa, mesmo que seja de forma inconsciente.
     Essa história de que "falei sem pensar" é quase sempre furada. Usamos esse expediente quando percebemos (geralmente, tardiamente) que falamos algo impróprio. O certo, nesse caso,  seria dizer: "falei o que não devida ter falado".
     Isso se dá porque muitas vezes falamos e só depois é que vamos dimensionar aquilo que foi dito. Aí vem as confusões, as brigas e, consequentemente, os arrependimentos. Nos mortificamos por ter dito coisas que prejudicaram ou magoaram pessoas.
     E mesmo tentando usar outras palavras (sim, sempre elas) para poder consertar o estrago, a chance de sucesso é muito pequena.  Uma vez dita, a palavra ganha uma força extraordinária para o bem e para o mal. O jeito, então, é esperar que o tempo bote as coisas no seu devido lugar outra vez. Só que, muitas vezes, isso demora para acontecer.  Depende do grau do ressentemento causado.
     Por isso, é preciso ter cuidado com elas. Elas tanto podem construir um belo relacionamento, trazer à tona coisas edificantes, como também podem destruir tudo à sua volta. Depois, como diz aquele velho ditado popular: " chorar na cama que é lugar quente".
     Outro ponto importante são aquelas palavras que a gente ouve por ai meio que sem saber o seu verdadeiro sentido ou mesmo o seu destino exato.  Devemos prestar mais atenção nessas palavras. Atrás de muitas coisas ditas ao acaso, por conhecidos e desconhecidos, escondem-se verdadeiros  toques, mensagens de vida dos anjos, dos guias de luz (ou não, pois não devemos cair na armadilha de pensar que tudo que vem do "além" é bom e bem intencionado), de Deus ou de quem mais possa habitar esse nosso mundo corpóreo e incorpóreo.
     Não raras vezes somos apenas porta-vozes, mensageiros. Através das palavras que proferimos ou ouvimos o amor ou ódio, a paz ou a guerra podem estar sendo disseminados. Portanto, atenção com elas,   as palavras.

fevereiro 26, 2013

O carnaval carioca.

     Eu sei que esse assunto já está pra lá de velho. Ninguém mais quer saber de falar do carnaval que passou e todo mundo já está pensando no carnaval que vem. Assim  é a vida. Mas ainda tenho uma última palavra a falar do carnaval de 2013.     
 Sei que está todo mundo feliz ou conformado (minha Portela nunca chega lá) com o campeonato da Vila Isabel. Assim como em todos os anos  muitos falam em marmelada, jurados comprados, falta de critério de julgamento, cartas marcadas, desfiles patrocinados etc.
      Enquanto isso, nas rruas a coisa corre solta. Tornou-se  simplesmente impossível viver no Rio de Janeiro nos dias do carnaval. O que antes eram blocos de carnaval com suas fantasias, suas marchinhas, foleões e tudo o mais , passou a ser uma coisa inexplicável.
      É gente para todo lado. Todos acreditam estar brincando, mas o que se vê é uma orda de desatinados andando a esmo pela cidade atrás dos blocos  que já não podem mais ser chamados de blocos, dado o número de pessoas que arrastam.
     Acredido que o carnaval do Rio acabou vítima do seu próprio sucesso.  As ruas não suportam o contingente de pessoas que acorrem à elas nesse periodo e torna o que antes era bonito e singelo numa coisa grotesca e sem sentido, onde as pessoas, movidas pela busca do prazer imediato se entregam a bebedeiras e o que mais se apresenta, em detrimento da festa, da folia carnavalesca em si.
     As ruas da cidade são tranformadas em verdadeiros campos de concentração. Pessoas bêbadas amdando desatinadamente ou sentadas (ou seriam caídas?) pelo chão têm o aspécto de refugiados ou pessoas abandonadas e famintas à espera de resgate. Isso sem esquecer de  falar dos escrementos e das toneladas de  lixo.
     Acho que é preciso que, urgentemente, se repense o carnaval do Rio de Janeiro. Sem isso, o que há pouco se pensava ser o seu renascimento pode ser a sua morte.

fevereiro 24, 2013

Só a vida ensina. (novelinha roteirizada)

A partir de hoje,  todos os domingos, estarei publicando aqui no blog a novelinha roteirizada, de minha autoria: "Só a vida ensina".  A novela conta a história de Joel, um cara que se nega a crescer e encarar a vida de forma adulta e responsável e, por isso, acaba atraindo para si uma série de situações desagradáveis que vão levá-lo a ter que rever seus conceitos e atitudes diante da vida.
Com vocês o primeiro capítulo.

SÓ A VIDA ENSINA

Capítulo 1

Autor: Julio Fernando

CENA 1 - INTERNA/NOITE - BAR TIPO “COPO SUJO”.
O BAR É UM LOCAL UM TANTO QUANTO ESCURO. HÁ APENAS UM GRUPO DE PESSOAS BEBENDO NUMA MESA. ELAS SÃO OBSERVADAS POR UM HOMEM QUE ESTÁ ATRÁS DO BALCÃO. ELE NÃO PARECE ESTAR FELIZ COM A PERMANÊNCIA DO GRUPO E MOSTRA-SE IMPACIENTE. O GRUPO RI, FALA ALTO, FAZ ALGAZARRA. SÃO EM NÚMERO DE SEIS, ENTRE HOMENS E MULHERES. TODOS ADULTOS, MEIA IDADE. TÍPICAS PESSOAS DA NOITE. ENTRE ELES ESTÁ JOEL GOMES, CERCA DE QUARENTA ANOS, O MAIS FALANTE DE TODOS:

JOEL – (FAZ SINAL PARA O HOMEM QUE ESTÁ ATRÁS DO BALCÃO) Ei,  Camarada...

HOMEM – (APROXIMANDO-SE DA MESA) – Pois não.

JOEL – Traz mais uma.

HOMEM – (TENTANDO SER EDUCADO) Sinto muito, amigo. É muito tarde.  Já passou da hora de fechar. Vamos deixar pra outro dia.

JOEL –  (IMPACIENTE) Eu quero a saideira, cara. (COM ESTUPIDEZ) Traz logo.

HOMEM – Já disse que não posso. Tô fechando... Só estou esperando vocês... Sejam compreensíveis. Amanhã abro o bar logo cedo.

JOEL – E daí? Traz a saideira e deixa de conversa. A noite é uma criança. (PARA OS AMIGOS) Aí, gente. O cara não tá querendo vender mais cerveja. Já tá rico. Tá querendo ir pra casa dormir... É por isso que esse país não vai pra frente. (A TURMA COMEÇA A GRITAR PELA SAIDEIRA, A BATER COM TALHER NAS GARRAFAS, ETC. POR FIM, O HOMEM ACABA SAINDO PARA BUSCAR A CERVEJA, TOTALMENTE CONTRARIADO)

CORTA PARA:

CENA 2 - INTERIOR/ NOITE. - CASA DE JOEL
APARTAMENTO SIMPLES, MAS ARRUMADINHO, SALA E DOIS QUARTOS.
JOEL TIRA A CHAVE DA FECHADURA FAZENDO BASTANTE ESTARDALHAÇO. CAMINHA CAMBALEANDO ATÉ A PORTA DO QUARTO. EMPURRA A PORTA E ENTRA.
CORTA PARA O INTERIOR DO QUARTO.
MOBILIÁRIO SIMPLES. AO ENTRAR NO QUARTO, JOEL SE JOGA NA CAMA DE ROUPA E TUDO E DORME. ALGUM TEMPO DEPOIS A PORTA SE ABRE E APARECE UMA MULHER. TEM CERCA DE UNS SESSENTA ANOS. É DONA MARGARIDA, A MÃE DE JOEL. ELA PARA DIANTE DA CAMA DO FILHO.

DONA MARGARIDA – (TIRANDO OS SAPATOS DOS PÉS DE JOEL) Você não tem jeito mesmo, Joel. Até essa hora na rua, bebendo. Quando é que você vai tomar jeito, meu filho? (SAI DO QUARTO, TRISTE)

CORTA PARA:

CENA 3 - INTERIOR/DIA - QUARTO DE JOEL.
JOEL DORME, RONCANDO, JOGADO NA CAMA.  O QUARTO ESTÁ TODO ILUMINADO, POIS A MANHÃ JÁ ESTÁ QUASE NO FIM. A PORTA SE ABRE E DONA MARGARIDA ENTRA. ELA SE DIREGE AO FILHO, CHAMANDO-O.

DONA MARGARIDA – Acorda, Joel. Já é muito tarde. Você vai chegar atrasado no trabalho. Acorda, Joel.

JOEL – (VIRANDO-SE  NA CAMA) O quê? Me deixa dormir em paz.

DONA MARGARIDA – Você  vai acabar perdendo esse emprego.

(DONA MARGARIDA TENTA UM POUCO MAIS E ACABA DESISTINDO. QUANDO ELA SAI DO QUARTO, JOEL PERMANECE DORMINDO A SONO SOLTO.)

CORTA PARA:

CENA 4 - INTERIOR/DIA - ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE ONDE JOEL TRABALHA.
É UM ESCRITÓRIO DESSES QUE LRMBRAM ANTIGAS REPARTIÇÕES PÚBLICAS.  SALA PEQUENA, TRÊS MESAS, COMPUTADORES ANTIGOS, MÁQUINAS DE ESCREVER, SOMAR, E MUITA PAPELADA.. HÁ DOIS FUNCIONÁRIOS TRABALHANDO. UM DELES É FÁBIO, 38 ANOS, ESTATURA MÉDIA. UMA PORTA SE ABRE E ENTRA UM HOMEM MAIS VELHO.  É OLAVO, O DONO DO ESCRITÓRIO.

OLAVO – Bom dia!

FÁBIO – Bom dia, seu Olavo.

OLAVO – (VÊ A MESA DE JOEL VAZIA) E o Joel? Ainda não chegou?

FÁBIO – Ainda não, seu Olavo.

OLAVO – Qual é a desculpa da vez?

FÁBIO – (SEMPRE CONSTRANGIDO) Não sei não, seu Olavo. A mãe dele estava meio adoentada. Acho que ele teve que levá-la ao médico.

OLAVO – (ABORRECIDO) Sempre a mesma coisa. Esse rapaz está brincando com a verdade. Se ele quer trabalhar, precisa cuidar do emprego.

(OLAVO SAI E FÁBIO OLHA PARA O COLEGA, COM AR DE PREOCUPAÇÃO)

FÁBIO – Joel não se emenda mesmo.

CORTA PARA:

CENA 5 - INTERIOR/DIA - QUARTO DE JOEL.
JOEL DESPERTA ASSUSTADO E VERIFICA AS HORAS NO RELÓGIO. PERCEBE QUE JÁ É TARDE, LEVANTA DA CAMA APRESSADAMENTE E SAI DO QUARTO.
CORTA PARA A SALA DO APARTAMENTO. DONA MARGARIDA ESTÁ SENTADA FAZENDO TRICÔ:

JOEL – (AFOBADO) Por que a senhora não me chamou, mãe?  Perdi a hora.

DONA MARGARIDA – Tentei te acordar várias vezes, mas você virava para o canto e dormia de novo. (TOM) Você está facilitando, Joel. Uma hora dessas, seu Olavo acaba te mandando embora e aí como é que vai ser?

JOEL – Seu Olavo precisa de mim naquele escritório, mãe. Sem mim, aquilo não anda. (AJEITA A ROUPA PARA SAIR) Tchau.

DONA MARGARIDA – Não vai tomar café?

JOEL – (SAINDO) Não dá mais tempo. (SAI)

CORTA PARA:

CENA 6 - INTERIOR/DIA - ESCRITÓRIO ONDE JOEL TRABALHA
FÁBIO E O OUTRO FUNCIONÁRIO ESTÃO TRABALHANDO.  OLAVO ENTRA E SE DIRIGE A FÁBIO.

OLAVO – E então? Nosso turista já deu as caras?

FÁBIO – Ainda não, seu Olavo. (TOM) Do jeito que os hospitais andam cheios...

OLAVO – (IRÔNICO) Os hospitais andam mesmo muito cheios. (TOM) Portanto, se o abnegado filho da dona Margarida der o ar da graça, diz para ele ir até a minha sala. Preciso ter uma conversinha com ele.

FÁBIO – Pode deixar, seu Olavo.

(OLAVO SAI. FÁBIO FICA PENSATIVO)

CORTA PARA:

CENA 7 - EXTERNA/DIA - RUA DO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
JOEL DESCE DE UM ÔNIBUS E ANDA APRESSADO PELA RUA. APROXIMA-SE DA PORTA DE UM PRÉDIO. O PORTEIRO, QUE ESTÁ POR ALÍ, OLHA PARA ELE CHEIO DE MALÍCIA:

PORTEIRO – Olha a hora que chega o marajá. Isso que dá ser patrão e não empregado. Um dia ainda arrumo uma boca dessas.

JOEL – Isso é pra quem pode e não pra quem quer.

CORTA PARA:

CENA 8 - INTERIOR/DIA - ESCRITÓRIO ONDE JOEL TRABALHA
MESMA SITUAÇÃO DAS CENAS ANTERIORES, OU SEJA, FÁBIO E O OUTRO FUNCIONÁRIO TRABALHANDO.  JOEL ENTRA TODO AFOBADO E VAI DIRETO PARA A SUA MESA.

FABIO – Que foi que aconteceu, Joel?

JOEL – Perdi a hora.

FÁBIO – Você está facilitando, rapaz. Seu Olavo já perguntou diversas vezes por você.

JOEL – O que foi que você disse?

FÁBIO – O de sempre. Que sua mãe... (TOM) Aquela velha história.

JOEL – Obrigado, companheiro. Quando ele me colocar de chefe, eu não vou me esquecer de você. Tá no meu caderninho.

FÁBIO – Sei... Se eu fosse você ficava de olho. Ele está cismado com você. (FÁBIO LEVANTA E SE ARRUMA PARA SAIR)

JOEL – (FAZENDO MUXOXO) Deixa pra lá. Com seu Olavo, eu me entendo. Ele é meu chapa. (VÊ FÁBIO SAINDO) Onde você está indo?

FÁBIO – Tem noção das horas, Joel? Já é hora do almoço. (VAI SAINDO)

JOEL – Espera aí. Eu vou com você. Tá na minha hora também.

(OS DOIS SAEM. APENAS O OUTRO FUNCIONÁRIO PERMANECE TRABALHANDO)

CORTA PARA:

CENA 9 - INTERIOR/DIA - RESTAURANTE
JOEL E FÁBIO ESTÃO TERMINANDO O ALMOÇO. O GARÇOM CHEGA E ENTREGA A FÁBIO UM EMBRULHO COM UMA QUENTINHA:

JOEL – O que isso? Tá levando merenda?

FÁBIO – Nada disso. É para um amigo.

(OS DOIS AGRADECEM AO GARÇOM E SAEM DO RESTAURANTE.)

CORTA PARA:

CENA 10  - EXTERNA/DIA - RUA EM FRENTE AO RESTAURANTE
FÁBIO CAMINHA COM JOEL. FÁBIO PARA E SE DIRIGE A UM HOMEM QUE ESTÁ SENTADO NO CHÃO E ENTREGA A ELE O EMBRULHO COM A QUENTINHA. O HOMEM TEM REAÇÃO DE FELICIDADE E AGRADECE A FÁBIO. JOEL FICA INCOMODADO COM A CENA:

JOEL – Qual é, Fábio? Deu agora pra alimentar vagabundo?

FÁBIO – Esse homem não é um vagabundo. É seu Ramiro, um homem trabalhador. Depois que sofreu um revés da vida, ficou assim.

JOEL – E o que você tem com isso? Quem tem que cuidar disso é o governo, não?

FÁBIO – Pode até ser, Joel.   Mas não consigo ficar de braços cruzados vendo alguém nessa situação.

JOEL – Você é um idiota, Fábio. Pra mim, vagabundo tem mais é que morrer de fome.

FÁBIO – Não fala uma coisa dessas, Joel. Nunca se sabe o dia de amanhã.

(JOEL MOSTRA-SE BASTANTE INCOMODADO COM A CONVERSA E ACABA DEIXANDO FÁBIO PARA TRÁS. FÁBIO CONTINUA CONVERSANDO COM O MENDIGO, TRATANDO-O COM HUMANIDADE E RESPEITO)

CORTA PARA:

(ATENÇÃO PRODUÇÃO E DIREÇÃO: ESTA CENA 10 TEM GRANDE IMPORTÂNCIA NO DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA E SERÁ USADA NOVAMENTE MAIS TARDE)

CENA 11 - INTERNA/DIA - ESCRITÓRIO ONDE JOEL TRABALHA. SALA DE OLÁVO.
SALA PEQUENA COM APENAS UMA  MESA.
OLAVO ESTÁ SENTANDO EM SUA MESA. FÁBIO ESTÁ DE FRENTE PARA ELE, MOSTRANDO ALGUNS PAPÉIS.

FÁBIO – Está tudo aí, como o senhor pediu.

OLAVO – (VERIFICANDO OS PAPÉIS) Está certo.

FÁBIO – Mais alguma coisa, seu Olavo?

OLAVO – Não. Quer dizer, pede ao Joel que venha falar comigo, I-ME-DI-A-TA-MEN-TE.

FÁBIO – Sim, senhor. (SAI)

CENA 12 - INTERIOR/DIA - ESCRITÓRIO ONDE JOEL TRABALHA
JOEL E O OUTRO FUNCIONÁRIO ESTÃO TRABALHANDO.  FÁBIO ENTRA. CAMINHA E PARA NA FRENTE DE JOEL. COMO JOEL NÃO NOTA A SUA PRESENÇA, ELE FICA ANDANDO DE UM LADO PARA O OUTRO. JOEL ACABA POR NOTAR O NERVOSISMO DO AMIGO.

JOEL – Que foi, Fábio? Você está se sentindo bem?

FÁBIO – Sabe o que é...?

JOEL – Fala, homem.

FÁBIO – O seu Olavo está te chamando na sala dele, I-ME-DI-A-TA-MEN-TE.

JOEL REAGE ASSUSTADO.

CORTA PARA:
FIM DO CAPÍTULO


 

fevereiro 23, 2013

São Jorge foi pra lua e a Turquia não caiu na boca do povo.

      Há anos, mais especificamente desde que escreveu a novela "O clone", a novelista Glória Peres vem se valendo de um filão que parecia infalível: tal qual uma carnavalesca ela escolhia um país, digamos, exótico e se propunha a mostrar, entre um merchindising social e outro, as possíveis diferenças culturais existentes entre o país escolhido da vez e o Brasil, ou seja, nós.
      A ideia deu muito certo em "O Clone", derrapou em "América" (nessa botaram a culpa no diretor Jaime Monjardim e o defenestraram) e voltou a dar certo em "Caminho das Índias". Agora em "Salve, Jorge", talvez pela forte identificação de católicos e não católicos têm com o "santo da Capadócia" todos, até esse que vos fala, acreditou que era barbada, que em pouco tempo ninguém mais se lembraria da Carminha, do Tufão, Leleco, Adauto, Nina, Max e companhia.
     Ledo engano. Dessa vez a coisa parece que não funcionou. A começar pelo próprio título da novela que soou inicialmente como uma grande homenagem ao "santo guerreiro" e que apenas teve leves e estranhas, diga-se de passagem, referências nos capítulos iniciais. De lá pra cá o santo apenas dá nome à novela e nada mais.
     São Jorge voltou pra lua. E nem na hora do aperto é chamado. Téo, o grande devoto, deixou o santo de lado faz tempo e na Capadócia parece que ele nem é conhecido. Vá lá que os capadócios não sejam católicos e nem umbandistas, mas ele nasceu lá e ganhou o mundo, quer dizer, o Brasil. Está bem. Pode dizer que santo de casa não faz milagre. Parece que não faz mesmo. Nem na novela.
     Deixando o santo lá às voltas com o seu dragão, o que me espanta mesmo é o fato de que a Turquia não se mostrou tão atraente quanto o Marrocos ou Índia. Noves fora o fato de ter uma cultura um tanto quanto semelhante aos países anteriormente abordados (vide a eterna condição da mulher relegada, mesmo que em menor grau, a um papel secundário nestas sociedades), o problema é que tudo não passa de mero pano de fundo, sem grande profundidade. A autora não se posiciona e se contenta em mostrar um país exótico aos nossos olhos.
     Quanto a questão do tráfico de mulheres, o tema se mostra pouco folhetinesco devido a dureza de sua realidade e a semelhança das histórias: toda moça é enganada e obrigada a prostituir-se e então fica presa e sem comunicação com o mundo exterior. Difícil criar cenas e tramas a partir de algo tão estático sem perigo de ter que solucionar tudo em pouco tempo. E novela é , como sabemos, como o diz o matuto: "coisa pra mais de metro".
     Fica a lição: o tema "veja que país interessante" esgotou em si e Glória Peres vai ter que buscar outro filão para se manter como "autora de novelas". Por outro lado, está provado que o que daria um bom enredo de escola de samba nem sempre daria uma boa novela. Vale a preocupação social da trama. O que sobra é muito pouco.  Principalmente porque a autora se cerca em suas novelas de tramas parelalelas no mínimo estranhas. O que é aquela história da Nicette Bruno com aquela cadelinha? Alguém vê algum sentido naquilo?
    Estava me esquecendo do Alemão. Bem, o Alemão é uma outra história ou será mero cenário para turista turcos visitar e tirar fotografia?

fevereiro 22, 2013

A coragem de Bento XVI.

     Faz algum tempo eu escrevi aqui uma postagem onde eu falava que há momento em que a gente tem desistir de algum sonho que acalentamos durante anos e que, por várias questões, se torna inviável. Na época, eu estava vivendo uma situação parecida e quis escrever como forma de exorcizar o que estava sentindo. Cheguei a pensar em não publicar a postagem que se chama: "Quando é preciso desistir de um sonho", por achar que talvez as pessoas pudessem ver naquilo algo de fraco e pouco recomendado.
     Para minha surpresa, essa é uma das postagem mais lidas do meu blog e isso me fez ver que essa é uma realidade comum em nossas vidas. Vez ou outra nos deparamos com a impossibilidade de realizar alguma coisa e desistir se torna um ato de grandeza e abre possibilidades para possamos tentar outras coisas, seguir outros caminhos.
     Foi assim que recebi a notícia da renúncia  de Bento XVI. Por alguma razão, que só ele pode conhecer totalmente, ele se viu impedido de continuar à frente da igreja católica. Ninguém tem dúvida que se trata de um ato extremo. O Papa sempre foi visto como algo muito próximo de Deus, o sucessor de Pedro e tudo o mais. Portanto, jamais se esperava isso dele.
     Vendo do lado de cá, parece tudo mero privilegio, mas ninguém consegue dimensionar o tamanho da responsabilidade de estar no comando de tanta gente. Ainda mais nesse momento em que a igreja enfrenta tantos problemas. O maior deles: os padres (seriam apenas padres?) pedófilos de hoje e de todos os tempos.
     Mais do que isso, tem a eterna briga pelo poder. O Vaticano não é apenas a sede da igreja católica, é um país com todas as ingerências de um país e, pasmem, um líder espiritual é quem toma conta de tudo isso. Difícil conjugação: política e fé.
     Em tudo isso, longe de parecer fraco, Bento XVI (agora apenas cardeal Ratzinger), mostrou-se corajoso. Além de qualquer coisa, resolveu se submeter ao julgamento da história. O tempo julgará o seu ato, mas a sua consciência repousará tranquila. Fez o que achou ser o mais acertado. Assim, a igreja poderá encontrar o seu caminho. Novas possibilidades que se abrem.

fevereiro 19, 2013

Esperar e esperar.

     Quando Artur terminou o seu trabalho, deu  um grande suspiro e se deixou cair sobre as pernas.  Tinha, finalmente , concluído a sua obra. Logo o seu quadro estava exposto numa grande galeria e as pessoas podiam apreciar o seu talento e inspiração.  
     Artur se sentia feliz por ter realizado mais aquele belo trabalho. Mas a sua rotina o chamava de volta. Não podia viver  eternamentee dos louros colhidos por aquele quadro, como não tinha ficado parado todas as outras vezes.
     Foi lá, entre tintas e pincéis que uma jornalista foi encontrá-lo. Ele sempre fora avesso à entrevistas, mas daquela vez resolveu abrir um precedente. Afinal de contas, o seu público merecia uma palavra, uma certa atenção e ele resolveu falar.
     A jornalista não conseguia esconder a sua emoção de ser a primeira a conseguir uma entrevista daquele artista maravilhoso depois de tantos anos de silêncio. Ela foi logo enchendo Artur de perguntas. Queria saber tudo sobre a sua vida.
     Artur, por sua vez, só queria falar do trabalho. Essa era a única coisa que o interessava: o trabalho. O ato de criar.  Porém, para a jornalista isso parecia não interessar muito. Ele insistiu  e ela acabou por ceder e passou a fazer conversar a respeito do seu trabalho e tascou:
- Como é o seu processo criativo? Como o senhor (os jornalistas, não se sabe bem por que, chamam todo mundo de senhor) concebe uma ideia?
Artur respondeu simplesmente: "Eu espero." Ela pareceu não entender e ele repetiu:
- Eu simplesmente me sento e espero a inspiração chegar.
- E a inspiração sempre vem?
- Às vezes ela vem , às vezes ela não vem.
- E como o senhor faz quando ela não vem?
- Eu continuo esperando. Uma hora ela vem.
Assim é com tudo na vida. Como o artista, temos  que estar sempre esperando. Ter esperança é tudo.

fevereiro 02, 2013

Fora do "politicamente correto".

     Sem dúvida estamos vivendo um tempo de meias verdades. Com medo de parecer  politicamente incorreto, muita gente acaba optando por dizer somente aquilo que é conveniente dizer e não aquilo que realmente está pensando ou sentindo. Isso provoca uma estranha sensação de que nada do que é dito é verdade. Como se estivéssemos todos vivendo uma espécie de faz de conta: eu não digo nada que  aborreça os outros e em contra partida não sou obrigado a ouvir nada daquilo que não quero ouvir.
     Alguém ate pode dizer que parece até uma troca justa. E há quem diga também que esta é a melhor maneira de conviver sem que haja atritos entre as pessoas, para que haja paz no mundo etc e tal. Peraí. Não é bem assim.  Isso é pura hipocrisia. Não é possível viver num mundo em que as pessoas estejam o tempo todo dizendo o contrário daquilo estão pensando. 
     Será que ser politicamente correto é isso? Se é "tô fora".  Impossível fazer parte desse jogo, viver fingindo o tempo todo só para não me chatear e nem chatear ninguém. Acredito que a paz é conquistada principalmente com um bocado de tolerância entre as pessoas, que não devemos sair por ai dizendo o que pensamos a torto e a direito sem medir as consequências.
     Mas isso não significa fechar os olhos e fingir que está tudo bem quando sabemos que não está. Corremos o risco de ser coniventes, apenas para não correr o risco de ser desagradáveis. Tem limite para tudo na vida. Até para o "politicamente correto". Esse "politicamente correto" que nos leva a agir como pessoas sem opinião, sem posição definida, que diz apenas o que a regra do bom convívio permite.
     Dizem que quem cala consente. Nosso silêncio diz isso. Nos transforma em seres omissos, preocupados apenas em manter o status de gente boa, que não  cria confusão, de fácil convivência. Só que, se queremos um mundo melhor para viver, temos que  começar sendo mais verdadeiros , capazes de se posicionar diante das coisas e apontar aquilo que precisa ser mudado e consertado. Chega de silêncio e omissão. Um basta no bom mocismo que impera em todos os lugares.